Nelson Alves Jr.
Não sei você, mas raramente um jogo me prende desde o início a ponto de não querer parar por nada. Black Flag é uma dessas exceções. Depois do desastre de Assassin’s Creed 3, com um personagem insosso, exploração minguada e por vezes inexistente, além de um início extremamente arrastado e desestimulante, a Ubisoft deu uma guinada e apresenta, senão o melhor, certamente o mais recheado e diversificado episódio da série.
Ainda que a história se esforce e tente inovar ao incluir piratas no cenário, o fato é que ela pouco acrescenta ao montante. O arco estrelado por Ezio Auditore, a meu ver, permanece como o mais inspirado até aqui. Com ele foi possível não só acompanhar um período amplo da vida do personagem, como perceber mudanças de atitude por conta do desgaste dos anos e da vivência como assassino. Criou-se um laço emocional entre o jogador e o protagonista, que desaparece no terceiro jogo e sequer tenta ser retomado em Black Flag. A motivação do novo protagonista, o corsário Edward Kenway, soa egoísta desde o princípio. A pinta de anti-herói, preocupado apenas com dinheiro, pode não agradar a todos, embora, convenhamos, mostra a coragem da Ubi em criar um protagonista que fuja da mesmice.
Muito por fazer
Mas se você está pouco se lascando para personagens e motivações, saiba que todo o restante impressiona. A inclusão de piratas no universo do jogo oferece um sem fim de novidades na mecânica. Há tanto por fazer, que mesmo depois de abrir todo o mapa e ter avançado horas na história, novidades ainda surgem para engrossar o leque de atividades disponíveis.
Somadas a todas as missões por terra, há as tarefas em pleno mar. Local, diga-se, que você vai passar mais da metade do tempo.
Obviamente que, como capitão, você tem os seus subordinados e sua própria embarcação, chamada Gralha. Ter um nome não é somente firula, mas enfatiza a importância do seu navio — ele é praticamente um personagem. Franzino no início, ele ganha robustez à medida que melhorias são incorporadas. Mesmo nisso Black Flag dá uma aula de como tornar tudo, o menor detalhe que seja, em uma força motriz que impulsiona o jogador a querer concluir mais e mais tarefas.
Conseguir melhorias para o Gralha funciona quase como um jogo à parte. E funciona tão bem, que facilmente você esquece a missão principal e passa horas em atividades navais. As batalhas contra outras embarcações permitem saques de itens preciosos, que se tornam moeda para ajustes do seu navio. E quanto mais melhorias consegue, maior a possibilidade de encarar navios maiores que, por consequência, oferecem recompensas generosas.
Como tudo é bem amarrado na mecânica do jogo, mesmo o mar tem influência crucial nos confrontos navais. O clima muda dinamicamente, então da calmaria para uma tempestade é questão de milhas. A agitação da água chega ao ponto de surgirem ondas maiores que seu navio, que podem danificar o casco e afogar sua tripulação. Parte da diversão está em usar a força da natureza em seu favor contra outros navios.
Integrada a isso tudo está a vasta possibilidade de exploração. Embora na série haja um princípio de liberdade, nenhum episódio soltou tanto o jogador quanto Black Flag. Você decide entre seguir a história principal ou abrir mão completamente dela e, quem sabe, vasculhar as inúmeras ilhas em busca de baús e mapas de tesouro, decifrar os enigmas escondidos em busca de uma roupa especial, pescar em alto mar ou, de repente, encarar todas as missões de assassinato. Em nenhum momento o jogo te obriga a algo, e você se sente verdadeiramente livre para escolher o que e quando fazer. Mesmo que “o que e quando” seja fora do Animus. Se nos jogos passados essas interações acrescentavam pouca ação, desta vez há muito o que vasculhar, principalmente para descobrir detalhes que complementam o quadro geral dos acontecimentos. E o que mais me chama atenção nisso é que a Ubisoft abriu mão da seriedade e optou por brincar consigo mesma por meio de metalinguagem.
Para colocar em perspectiva o que essas opções todos de exploração significam, estou beirando as 50 horas de jogo e ainda tenho tarefas pendentes. Muitas.
Se não bastasse, ainda há uma espécie de jogo de estratégia em que você comanda a sua própria frota. A parte boa? A sua experiência de jogo não precisa ser interrompida. O manejo da sua esquadra pode ser feito numa segunda tela por meio do aplicativo gratuito Assassin’s Creed IV Companion App. Esse negócio é a ponta do iceberg do que podemos esperar nos próximos anos. Trata-se não apenas de visualizar o mapa (já seria bem útil), mas de jogar por meio do tablet sem necessidade de parar a ação na tv.
Novos ares
Levar a série para as águas do Caribe renovou a estrutura da série, que começava a dar sinais de desgaste, principalmente depois de um episódio tão desastroso quanto o três. Black Flag consegue manter a espinha-dorsal que os fãs estavam acostumados e, de maneira brilhante, amplia as possibilidades para episódios futuros.
Mesmo que você não tenha jogado os anteriores, por qualquer razão, fica como sugestão experimentar esse que, de longe, figura como um dos melhores jogos disponíveis atualmente. A imensa gama de atividades e a liberdade sem precedentes na série já são motivos suficientes para você se deixar levar.
Jogo: Assassin’s Creed 4: Black Flag
Produtora: Ubisoft Montreal
Distribuidora: Ubisoft
Plataforma: Xbox 360, Xbox One, PlayStation 3, PlayStation 4 e PC
Jogadores: 1 (solo), 2-8 (multijogador) e 2-4 (coop)